Poucas pessoas viveram grandes feitos, grandes viagens ou grandes paixões. A maioria viveu o que podia ter vivido. Foi ao cinema e adorou (ou odiou) Tropa de Elite. Leu alguns livros. Curtiu alguns churrascos. Passou uns finais de semana fora da cidade. Reclamou da falta de dinheiro. Brigou com pais e irmãos. Fez as pazes com pais e irmãos. E depois brigou de novo.Esperou em filas. Assistiu a pelo menos um show. Achou a Camila Pitanga linda em Paraíso Tropical. Reclamou muito do frio. Bebeu demais. Pensou em casar. Pensou em descasar. Pensou em ter um cachorro."Ano da virada" é apenas força de expressão. A maioria de nós viveu um ano semelhante aos outros anos, salvo aqueles que foram colhidos por uma fatalidade - já não é fatalidade suficiente estar vivo?Eu tive um ano muito bom e muito parecido com outros anos bons, inclusive nas partes ruins. Ainda assim, o melhor de chegar aqui, na saidera, é olhar pra trás e concluir que o que aconteceu de mais diferente fui eu mesma. Entrei de um jeito em 2007 e estou saindo outra, mesmo que eu pouco perceba esta alteração.Recentemente ouvi alguém admitir que era uma pessoa melhor anos atrás. Duvido. Não se pode dizer isso pra valer. É muito desestimulante a gente acreditar que está involuindo. Quando olho pro meu passado, encontro uma mulher bem parecida comigo - por acaso, eu mesma - porém essa mulher sabia menos, conhecia menos lugares, menos emoções. Ora, por mais legal que a gente tenha sido, sempre fomos mais pobres em relação ao presente - e não estou falando em dinheiro, mas de vivência. Involuir é muito trabalhoso, exige que rejeitemos todos os aprendizados: quem faria essa maldade consigo mesmo? Evoluir é que está na ordem natural das coisas.Portanto, tenho certeza de que em 2008 eu verei alguns filmes, assistirei pelo menos a um show, lerei alguns livros, sairei da cidade alguns finais de semana, irei bater ótimos papos com os amigos, terei uns arranca-rabos em família e depois voltarei às boas, perderei tempo em filas e reclamarei do frio.E mesmo sendo um ano como tantos outros - no caso de nenhuma fatalidade ocorrer -, sairei de 2008 melhor do que estou entrando, simplesmente porque é impossível desprezar conhecimentos, conversas, sensações - tudo o que parece repetitivo, mas que nos dá uma cancha necessária pra seguir adiante e viver melhor.Então, feliz você novo, mesmo que pareça igualzinho.
Martha Medeiros
Martha Medeiros